Por: Luciana Chinaglia Quintão
Se o desperdício de alimentos fosse um país, seria o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa do planeta. O que fazer? Para começar, abraçar a atitude diária de ser responsável. Segundo o último relatório IPCC, da ONU, se as emissões continuarem no mesmo ritmo, o aumento da temperatura média global poderá chegar a 4,4 graus Celsius até o final deste século.
O novo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima, divulgado em agosto, destaca o que tristemente constatamos no dia a dia: que a humanidade vem, cada vez mais, aquecendo a atmosfera, o oceano e a terra, provocando “mudanças generalizadas e rápidas” no planeta. Os especialistas que elaboraram o estudo Painel Internacional sobre a Mudança Climática (IPCC) alertam que as mudanças que já ocorreram serão “irreversíveis” durante “séculos ou milênios”. Alertas não faltam. O que falta é ação – do poder público, da iniciativa privada, da sociedade em geral. Quando a sociedade vai se dar conta de que precisa se perguntar, a cada dia: o que eu posso fazer?
Em todos os cenários previstos pelos especialistas, espera-se que a barreira de 1,5 grau seja superada nos próximos 20 anos, devido aos gases de efeito estufa que a humanidade emitiu até agora e que permanecem na atmosfera. Na ONG Banco de Alimentos procuramos, há 23 anos, fazer a nossa parte, combatendo a fome e o desperdício de alimentos. Sim, porque considerando que um terço dos alimentos produzidos no mundo, segundo a FAO, é desperdiçado, o processo de produção destes alimentos perdidos responde por 8% das emissões de gases de efeito estufa. São nada menos que 1,3 bilhão de toneladas de alimentos desperdiçados por ano, considerando toda a cadeia alimentar.
Se o desperdício de alimentos fosse um país, seria o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa do planeta; também consumiria 250 km3 de água, o equivalente a 2,7 vezes a vazão anual do Rio São Francisco, mais do que o consumo da China ou da Índia. Ou seja, toda a cadeia de produção consome recursos: usa-se água, desmata-se terras, polui-se o solo e os rios, sem que o alimento chegue às pessoas, indo parar no lixo e trazendo prejuízos ao meio ambiente.
No Brasil, 27 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas em média a cada ano, também levando em conta toda a cadeia alimentar, da produção ao consumo final, segundo dados da FAO/ONU, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. A Pesquisa Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil, da Embrapa e FGV (divulgada em 2021 com base de dados de 2018), aponta que uma família média brasileira desperdiça quase 130 kg de comida por ano, uma média de 41,6 kg por pessoa.
Segundo análise da ONG Banco de Alimentos, com base em dados da Embrapa, o desperdício de um terço de alimentos que ocorre em toda a cadeia alimentar tem a seguinte origem:
- 10% no campo;
- 50% no manuseio e transporte;
- 30% nas centrais de abastecimento;
- 10% nos supermercados e consumidores.
Ao reduzir os impactos da fome por meio da redução do desperdício, a ONG Banco de Alimentos promove um ciclo sustentável, que se traduz em ganhos socioambientais. Além de levar benefícios nutricionais e sociais a quem precisa, com melhorias na saúde e na inclusão social, ao aproveitar os alimentos não vendidos a ONG também reduz a geração de lixo orgânico que, acumulado, é tóxico ao meio ambiente e emite gases. O aproveitamento integral dos alimentos, praticado e disseminado pela ONG Banco de Alimentos, também é parte importante na luta contra o desperdício, uma vez que é muito comum as pessoas jogarem fora, sem pensar, partes dos alimentos como talos, sementes e cascas que podem se transformar em receitas balanceadas e nutritivas.
Os dados do sexto relatório de avaliação IPCC, elaborado com a participação de 234 especialistas de 66 países, são assustadores. A concentração na atmosfera do dióxido de carbono (CO2) é a mais elevada dos últimos dois milhões de anos; as de metano e óxido nitroso – os outros dois grandes precursores do aquecimento – não tinham alcançado níveis tão altos nos últimos 800.000 anos. A consequência é que o aumento da temperatura média global já está em 1,1 grau Celsius em relação aos níveis pré-industriais. Se não houver uma ação decidida e as emissões continuarem crescendo no mesmo ritmo, o relatório estima que até o final deste século se chegaria a um aumento de 4,4 graus, o que multiplicaria a intensidade e frequência dos fenômenos extremos que já vêm acontecendo. Os cientistas afirmam que a última vez que se chegou a um nível de aquecimento acima dos 2,5 graus foi há três milhões de anos, quando o ser humano nem sequer existia.
O que fazer? Para começar, abraçar a atitude diária de ser responsável. Todos têm a sua parcela de responsabilidade: poder público, iniciativa privada, consumidores, sociedade em geral! Acredito, como destaco em meu livro Inteligência Social – A perspectiva de um mundo sem fome(s), que as pessoas são as responsáveis pela construção do mundo à sua volta. O mundo só vai mudar quando mudarmos a nossa forma de estar no mundo, quando cada um de nós adotar um olhar crítico em relação à realidade e à consciência de seu papel dentro da sociedade. Só a inteligência coletiva pode construir o necessário para que haja justiça social e uso sustentável dos recursos naturais.
*Luciana Chinaglia Quintão é fundadora e presidente da ONG Banco de Alimentos; autora do livro Inteligência Social – a perspectiva de um mundo sem fome(s)